Mum to Son

por Liliana Reis

quarta-feira, 8 de novembro de 2017

Quase nunca te falo dela


Quase nunca te falo dela porque ainda dói muito. 20 anos depois a falta é a mesma, pensar que estou há quase tanto tempo sem ela como o tempo que a tive no meu mundo, é assustador.
Parece que de alguma forma, me estou a distanciar do porto seguro que representava, o carinho, os miminhos, aquela sensação de que ninguém te conhece tão bem e ninguém está lá tão incondicionalmente e sem julgamentos.

Faria 70 anos. 
Quis a vida, que a dela terminasse muito cedo. Demasiado, com tanto que ainda havia para viver, para partilhar, para ensinar.
Era uma mulher muito sensível e com a perspicácia de quem fica de lado a observar as movimentações. Por alguma razão a liberdade dela foi sempre algo muito limitada e talvez por isso a sua necessidade de dar amor a transbordasse como se fosse a única coisa que não lhe podiam tirar.

Lembro-me bem das histórias das traquinices de miúda a esconder as chaves de casa da vizinha e a colocar pregos nas cadeira para picar quem se sentasse. Contava isto com algum orgulho, aquele orgulho de pelo menos, em alguma altura, ter feito aquilo que lhe deu na gana.

Cantava lindamente e escondia o desejo de ter seguido uma carreira artística no teatro e no canto.  Contava que um dia assistiu a um concerto da Amália e que num repente adolescente disse "eu canto melhor do que ela" e o padrinho que trabalhava na rádio a desafiou para subir ao palco e acompanhar a fadista. Determinada ia, mas um olhar fulminante da mãe (minha avó) lembrou-lhe o seu lugar e quedou-se como tantas mais vezes viria a fazer na sua vida. Talvez tenha canalizado a veia artística para os trabalhos manuais e os bordados em ponto de cruz.Era um mundo só seu.

Quase nunca te falo dela porque não preciso de o fazer para a manter presente. Ela faz-se presente nas coisas que te digo, nos cuidados e preocupações que tenho contigo, nas gargalhadas que soltamos a ver filmes cómicos e na cumplicidade que nos une quando olhamos um para o outro sempre que vemos algo estranho e não podemos comentar. Tudo isto também eu fazia com a minha mãe.

A tua avó era alguém único, de quem todos nós sentimos muita falta, alguém que te deixaria certamente mais confiante e amado ... mimado também.

Esta avó já cá não está para te sentar no colo dela, contar-te mil histórias e te encher de beijos, mas tenho a certeza que estará sempre a olhar por ti, por nós, talvez lá em cima no céu cor de rosa feito de algodão doce, a lembrar a doçura das suas palavras que eu própria vou esquecendo.

Quase nunca te falo dela porque tudo quanto possa dizer meu filho, não chegará nunca para conheceres o ser que me fez ser!

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12 comentários

  1. Percebo tão bem! A identificação é tão grande que as lágrimas fugiram sem pedir licença. Também eu tive a sorte de ter uma mãe assim, que partiu muito mais cedo do que eu esperava e que me deixou umas eternas saudades sem fim. Ficam as memórias.

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    Respostas
    1. Um beijinho Graça, ficam as memórias e a eterna falta.

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  2. Perdi a Minha Mãe há 1 mês... Este texto toucou-me. Grata pela partilha.

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  3. Um grande beijinho Isabel, a perda é uma grande caminhada!

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  4. A minha mãe partiu há 14 anos, também tão sensível, carinhosa, generosa como descreveu a sua...as saudades são imensas, e tenho tanta pena que o meu filho de 10 meses nunca a vá conhecer. Ficam as histórias, as memórias e a certeza de que estará a olhar por nós ����bjs

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  5. Gosto muito da forma como escreve o que sente e pensa!
    Gostava que a minha filha fosse assim...
    Como Mãe e avó, desejo-lhe a maior Felicidade e Sorte pela vida. E parabéns por ser a Mãe e Filha que é!
    O mundo seria bem melhor se todas as mães e filhos fossem assim!
    Bem haja!

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  6. Obrigada Lourdes pelas suas palavras que muito me tocaram, oxalá os meus me vejam assim também. Um grande beijinho

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